A POESIA MODERNA Professores: Ana Cristina R. Pereira - PowerPoint PPT Presentation

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A POESIA MODERNA Professores: Ana Cristina R. Pereira

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A POESIA MODERNA Professores: Ana Cristina R. Pereira & Altair Martins O GRUPO DA TRADI O L RICA O GRUPO DA TRADI O L RICA S ntese entre inova es ... – PowerPoint PPT presentation

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Title: A POESIA MODERNA Professores: Ana Cristina R. Pereira


1
A POESIA MODERNAProfessoresAna Cristina R.
Pereira Altair Martins
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O GRUPO DA TRADIÇÃO LÍRICA
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O GRUPO DA TRADIÇÃO LÍRICA
  • Síntese entre inovações modernistas e o melhor
    da tradição lírica ocidental
  • Linguagem renovadora temas clássicos e
    universais
  • Predomina a subjetividade, e reafirma-se o velho
    poder da inspiração, nos moldes românticos.

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GRUPO DA MODERNIDADE RADICAL
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GRUPO DA MODERNIDADE RADICAL
6
GRUPO DA MODERNIDADE RADICAL
  • Oposição ao confessionalismo e ao subjetivismo da
    lírica tradicional
  • O mundo torna-se mais importante do que o
    eu-lírico
  • Há uma grande desconfiança quanto às
    possibilidades comunicativas da linguagem e
    rejeita-se a inspiração, privilegiando-se a
    técnica e a carpintaria poética

7
MANUEL BANDEIRA(1886 - 1968)
8
MANUEL BANDEIRA(1886 - 1968)
  • Fusão entre a confissão pessoal e a vida
    cotidiana
  • Clima de desejo insatisfeito e amargurado
  • A poesia para ele representou toda a vida que
    podia ter sido e que não foi
  • Tema dominante a preparação para a morte
  • Poeta do cotidiano descobre o lirismo em tudo
    o que é irrisório e banal simplicidade.

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A cinza das horas
  • O livro de estréia de Manuel Bandeira A Cinza
    das Horas (1917) parnasiano-simbolista é
    repleto de poemas de um lirismo melancólico e que
    remetem a temas como a espera da morte, a
    frustração, a resignação de quem espera o fim, o
    sofrimento, a angústia, a tristeza, etc. Trata-se
    de uma obra mais convencional, muito sentimental,
    em que o poeta projeta suas tristezas em
    paisagens tristes e crepusculares.

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O poema Desencanto, por exemplo, é um metapoema
que descreve o ato de fazer poesia como uma
espécie de válvula de escape, como um desabafo
de um ser que sofre e espera a morte.
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Desencanto Eu faço versos como quem choraDe
desalento , de desencantoFecha meu livro se por
agoraNão tens motivo algum de prantoMeu verso
é sangue , volúpia ardenteTristeza esparsa ,
remorso vãoDói-me nas veias amargo e quenteCai
gota à gota do coração.E nesses versos de
angústia roucaAssim dos lábios a vida
correDeixando um acre sabor na boca- Eu faço
versos como quem morre.
12
Libertinagem
Libertinagem (1930) é um marco na trajetória
poética de Bandeira, pois a partir desses
escritos é que o poeta dará o passo decisivo para
a libertação de sua formação passadista.
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Os temas são os mais variados, tais como a
infância, as pessoas ligadas a ela e sua cidade
natal, que servem de refúgio ao eu-lírico
(poeta descontente e infeliz) esses elementos
aparecem como consolação (alívio) de sua dor no
presente.
14
Porquinho-da-Índia Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.Que dor de coração
me davaPorque o bichinho só queria estar debaixo
do fogão!Levava ele prá salaPra os lugares mais
bonitos mais limpinhosEle não gostavaQueria
era estar debaixo do fogão.Não fazia caso nenhum
das minhas ternurinhas...- O meu
porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
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Em Porquinho-da-Índia, a recusa do bichinho em
aceitar o afeto do menino remete para um dos
motivos centrais da obra de Bandeira a
impossibilidade da realização plena do desejo
amoroso. Logo a experiência do adulto estará
carregada de insatisfação, como se, de alguma
maneira, a rejeição do porquinho-da-índia aos
cuidados e à devoção do menino antecipasse as
suas futuras frustrações sentimentais.
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Libertinagem
Em Libertinagem, podemos perceber a presença de
imagens brasileiras, que evocam lugares, tipos
populares e a própria linguagem coloquial do
Brasil, transformando o cotidiano em matéria
poética.
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Em Evocação do Recife, poema escrito sob
encomenda do sociólogo pernambucano Gilberto
Freyre, a subjetividade, o memorialismo, a
infância, o folclore e a cultura popular
caracterizam esse famoso poema de Manuel
Bandeira. O eu lírico revive cenas do passado,
como se fosse menino outra vez. Ao lado das
brincadeiras de infância, surgem pessoas com as
quais conviveu parentes, vizinhos, amigos. Até
os nomes das ruas eram líricos Rua da União, do
Sol, da Aurora.
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(...) Recife da minha infânciaA rua da União
onde eu brincava de chicote-queimado e partia as
vidraças da casa de dona Aninha ViegasTotônio
Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na
ponta do narizDepois do jantar as famílias
tomavam a calçada com cadeirasmexericos namoros
risadasA gente brincava no meio da ruaOs
meninos gritavamCoelho sai!Não sai!
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Outro ponto alto de Libertinagem reside,
segundo Mário de Andrade, no poema Vou-me Embora
pra Pasárgada, no momento em que o poeta trata
do tema do exílio, da partida tão caro às
gerações anteriores, os românticos, os
parnasianos e funde o lugar comum poético
vou-me embora com o estado-de-espírito bem
comum entre os nossos poetas contemporâneos.
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Vou-me Embora pra Pasárgada Vou-me embora pra
Pasárgada Lá sou amigo do reiLá tenho a mulher
que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora
pra PasárgadaVou-me embora pra PasárgadaAqui
eu não sou felizLá a existência é uma
aventuraDe tal modo inconseqüenteQue Joana a
Louca de EspanhaRainha e falsa dementeVem a ser
contraparenteDa nora que eu nunca tive
21
E como farei ginásticaAndarei de
bicicletaMontarei em burro braboSubirei no
pau-de-seboTomarei banhos de mar!E quando
estiver cansadoDeito na beira do rio
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(...) Em Pasárgada tem tudoÉ outra
civilizaçãoTem um processo seguro De impedir a
concepçãoTem telefone automáticoTem alcalóide à
vontadeTem prostitutas bonitas Para a gente
namorar
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E quando eu estiver mais tristeMas triste de não
ter jeitoQuando de noite me der Vontade de me
matar- Lá sou amigo do rei -Terei a mulher que
eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra
Pasárgada
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Libertinagem
Em Pneumotórax, há a cristalização da condição de
Manuel Bandeira. O poeta que teria toda a
existência pela frente, o projeto de ser
arquiteto, mas que não pode se realizar, em
função da descoberta de sua doença, a
tuberculose. Isto é, aos desejos frustrados, aos
sonhos não realizados do poeta só resta tocar uma
canção trágica em homenagem um tango argentino.
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Pneumotórax Febre, hemoptise, dispnéia e suores
noturnos.A vida inteira que podia ter sido e que
não foi.Tosse, tosse, tosse.Mandou chamar o
médico- Diga trinta e três.- Trinta e três . .
. trinta e três . . . trinta e três . . .-
Respire..........................................
.................................- O senhor tem
uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão
direito infiltrado.- Então, doutor, não é
possível tentar o pneumotórax?- Não. A única
coisa a fazer é tocar um tango argentino.
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A negação das poéticas passadistas em Poética
(Libertinagem)
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem
comportadoDo lirismo funcionário público com
livro de ponto expedienteprotocolo e
manifestações de apreço ao Sr. diretor.Estou
farto do lirismo que pára e vai averiguar no
dicionárioo cunho vernáculo de um
vocábulo.Abaixo os puristas
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Todas as palavras sobretudo os barbarismos
UniversaisTodas as construções sobretudo as
sintaxes de exceçãoTodos os ritmos sobretudo
os inumeráveisEstou farto do lirismo
namoradorPolíticoRaquíticoSifilítico
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De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmoDe resto não é lirismoSerá
contabilidade tabela de co-senos secretário do
amanteexemplar com cem modelos de cartas e as
diferentesmaneiras de agradar às mulheres, etc
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Quero antes o lirismo dos loucosO lirismo dos
bêbedosO lirismo difícil e pungente dos
bêbedosO lirismo dos clowns de Shakespeare-
Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.
30
Em Opus 10 (1958) no poema Consoada, Bandeira
conseguiu superar as aflições, em um ritual de
sedução, em uma confraternização, em um jantar,
que é uma das atividades normais da vida.Uniu os
princípios da vida e da morte. Ela, a traidora e
amante indesejada, sob o mesmo teto, à mesma
mesa, em um banquete servido pela poesia em
pessoa.
31
Consoada Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha
medo. Talvez sorria, ou diga - Alô,
iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite
descer. (A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, A
mesa posta, Com cada coisa em seu lugar.
32
CECÍLIA MEIRELES (1901 - 1964)
33
CECÍLIA MEIRELES (1901 - 1964)
  • Forte herança simbolista
  • Predomina os sentimentos de perda amorosa e
    solidão
  • Temática da passagem do tempo e a experiência do
    vazio
  • Romanceiro da Inconfidência visão dramática e
    lírica da sociedade mineira do século XVIII, de
    suas principais figuras humanas e da
    Inconfidência.

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A dor existencial o fluir do tempo dissolve as
ilusões, o corpo, a memória...
Retrato Eu não tinha este rosto de hoje,assim
calmo, assim triste, assim magro,nem estes olhos
tão vazios, nem o lábio amargo.
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Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e
frias e mortas eu não tinha este coraçãoque
nem se mostra. Eu não dei por esta mudança,tão
simples, tão certa, tão fácil- Em que espelho
ficou perdida a minha face?
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Cecília e a modernidade
  • O vínculo da autora com a modernidade está na
    experiência do vazio. Ela não encontra
    possibilidade de comunicação com o mundo
    circundante e seus versos tratam da sensação do
    absurdo da existência e da falta de sentido da
    vida contemporânea. Assim, só resta à poeta o
    canto, ou seja a celebração do ato de criação
    poética a poesia.

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Motivo Eu canto porque o instante existe e a
minha vida está completa. Não sou alegre nem sou
triste sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não
sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e
dias no vento.
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Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me
desfaço, não sei, não sei. Não sei se fico ou
passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem
sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que
estarei mudo mais nada.
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CECÍLIA MEIRELES (1901 - 1964)
  • Romanceiro da Inconfidência visão dramática e
    lírica da sociedade mineira do século XVIII, de
    suas principais figuras humanas e da
    Inconfidência.
  • Mistura de crônica dramática de uma época
    tradição literária popular invenção poética.

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Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério Melhor
negócio que Judas fazes tu, Joaquim Silvério que
ele traiu Jesus Cristo, tu trais um simples
Alferes. Recebeu trinta dinheiros... -- e tu
muitas coisas pedes pensão para toda a
vida, perdão para quanto deves, comenda para o
pescoço, honras, glória, privilégios. E andas tão
bem na cobrança que quase tudo recebes!
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Melhor negócio que Judas fazes tu, Joaquim
Silvério! Pois ele encontra remorso, coisa que
não te acomete. Ele topa uma figueira, tu
calmamente envelheces, orgulhoso impenitente, com
teus sombrios mistérios. (Pelos caminhos do
mundo, nenhum destino se perde há os grandes
sonhos dos homens, e a surda força dos vermes.)
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MARIO QUINTANA(1906 - 1994)
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MARIO QUINTANA(1906 - 1994)
  • Herança simbolista Independência poética
    Linguagem simples Ironia e Humor
  • Poeta Trivial Realista Sentimental
    Metafórico Irreverente Surrealista
  • Seus poemas são quintanares vida passada a
    limpo através da imaginação
  • Produção de poemas em prosa.

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As ruínas interiores e a melancolia de Quintana
Rua dos cataventos
Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um
jeito de sorrir que eu tinha...Depois de cada
vez que me mataram,Foram levando qualquer coisa
minha...E hoje dos meus cadáveres eu souO mais
desnudo, o que não tem mais nada...Arde um toco
de vela amarelada...Como o único bem que me
ficou.(...)
45
O Humor de Quintana Cartaz para uma Feira do
Livro
os verdadeiros analfabetos                      
                               
46
  • são os que aprenderam a ler e não leem

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Quintana... Alienado político?
  • Todos esses que aí estão
  • Atravancando o meu caminho,
  • Eles passarão...
  • Eu passarinho!

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VINÍCIUS DE MORAIS(1913 - 1980)
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VINÍCIUS DE MORAIS(1913 - 1980)
  • I - Fase neo-simbolista conotações místicas
    (formação religiosa) linguagem solene (versos
    longos que remetem aos versículos bíblicos)
    adjetivação exagerada.

50
Ânsia Na treva que se fez em torno a mimEu vi a
carne.Eu senti a carne que me afogava o peitoE
me trazia à boca o beijo maldito.Eu gritei.De
horror eu gritei que a perdição me possuía a
almaE ninguém me atendeu.Eu me debati em ânsias
impurasA treva ficou rubra em torno a mimE eu
caí! (...)
51
VINÍCIUS DE MORAIS(1913 - 1980)
  • II - Fase moderna vinculação à realidade o
    canto do amor concreto e a exaltação da mulher
  • a valorização do cotidiano e a abertura para o
    social a utilização da linguagem coloquial.

52
VINÍCIUS DE MORAIS(1913 - 1980)
  • Tema dominante O AMOR
  • Lírica comprometida com o cotidiano
  • A banalidade da vida diária é surpreendida pelo
    olhar amável e por vezes irônico do poeta
  • Engajamento social.

53
Balada do Mangue Pobres flores
gonocócicasQue à noite despetalaisAs vossas
pétalas tóxicas!Pobre de vós, pensas,
murchasOrquídeas do despudorNão sois Lœlia
tenebrosaNem sois Vanda tricolorSois frágeis,
desmilingüidasDálias cortadas ao péCorolas
descoloridasEnclausuradas sem fé,
54
Ah, jovens putas das tardesO que vos
aconteceuPara assim envenenardesO pólen que
Deus vos deu?
55
(...) Fazeis rapazes entrar!Sinto então nos
vossos sexosFormarem-se imediatosOs venenos
putrefatosCom que os envenenarÓ
misericordiosas!Glabras, glúteas
caftinasEmbebidas em jasmimJogando cantos
felizesEm perspectivas sem fim
56
(...) Pobres, trágicas mulheresMultidimensionais
Ponto morto de choferesPassadiço de
navais!Louras mulatas francesasVestidas de
carnavalViveis a festa das floresPelo convés
dessas ruasAncoradas no canal?Para onde irão
vossos cantosPara onde irá vossa nau?
57
A rosa de Hiroxima Pensem nas criançasMudas
telepáticasPensem nas meninasCegas
inexatasPensem nas mulheresRotas
alteradasPensem nas feridasComo rosas cálidas
58
Mas, oh, não se esqueçamDa rosa da rosaDa rosa
de HiroshimaA rosa hereditáriaA rosa
radioativaEstúpida e inválidaA rosa com
cirroseA anti-rosa atômicaSem cor sem
perfumeSem rosa, sem nada
59
Vinícius e o soneto
  • A revalorização do soneto, depois das
    radicalizações de 1922, deve-se a Vinícius. Como
    nenhum outro lírico brasileiro, ele soube
    explorar as possibilidades de combinação do
    espírito moderno com essa antiga forma de
    versificação que parecia condenada ao
    esquecimento o soneto.

60
Soneto da fidelidade De tudo ao meu amor serei
atentoAntes, e com tal zelo, e sempre, e
tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se
encante mais meu pensamento.Quero vivê-lo em
cada vão momentoE em seu louvor hei de espalhar
meu cantoE rir meu riso e derramar meu prantoAo
seu pesar ou seu contentamento
61
E assim, quando mais tarde me procureQuem sabe a
morte, angústia de quem viveQuem sabe a solidão,
fim de quem amaEu possa me dizer do amor (que
tive)Que não seja imortal, posto que é
chamaMas que seja infinito enquanto dure.
62
Vinícius e a música popular
  • A partir de meados de 1950, Vinícius aproximou-se
    da música popular em um processo de
    musicalização da poesia e que o transformou no
    grande letrista (poeta) da Bossa Nova, criando
    clássicos mundialmente conhecidos e parcerias
    históricas.

63
JORGE DE LIMA(1893 - 1953)
64
JORGE DE LIMA(1893 - 1953)
  • Sua carreira poética inicia-se sob o signo
    parnasiano
  • Apresenta uma fase nordestina, caracterizada
    pelo registro poético da realidade existencial,
    cultural e histórica da região
  • Valorização da religiosidade de substrato
    católico
  • Teve ainda uma fase de celebração da cultura
    negra, de seus ritmos e costumes.

65
Mulher proletária Jorge de Lima Mulher
proletária única fábricaque o operário tem,
(fabrica filhos)tuna tua superprodução de
máquina humanaforneces anjos para o Senhor
Jesus, forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária, o operário, teu
proprietáriohá de ver, há de vera tua
produção,a tua superprodução,ao contrário das
máquinas burguesassalvar o teu proprietário.
66
Essa negra fulô Jorge de Lima Ora, se deu que
chegou (isso já faz muito tempo) no bangüê dum
meu avô uma negra bonitinha, chamada negra
Fulô.Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! (Era a fala da Sinhá) Vai
forrar a minha camapentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar a minha roupa, Fulô!
67
Essa negra Fulô!Essa negrinha Fulô!ficou logo
pra mucama pra vigiar a Sinhá, pra engomar pro
Sinhô!Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
68
MURILO MENDES(1901 - 1980)
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MURILO MENDES(1901 - 1980)
  • Lírica de inspiração modernista, em que predomina
    o humor
  • Dimensão religiosa, requintada e quase hermética
  • Linguagem próxima do surrealismo, definida por
    alucinações e uso de símbolos e alegorias.

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Murilo Mendes Modinha do empregado de banco Eu
sou triste como um prático de farmácia,sou quase
tão triste como um homem que usa
costeletas.Passo o dia inteiro pensando nuns
carinhos de mulhermas só ouço o tectec das
máquinas de escrever.Lá fora chove e a estátua
de Floriano fica linda.Quantas meninas pela vida
afora!E eu alinhando no papel as fortunas dos
outros.Se eu tivesse estes contos punha a andar
71
a roda da imaginação nos caminhos do mundo.E os
fregueses do Bancoque não fazem nada com estes
contos!Chocam outros contos para não fazerem
nada com eles.Também se o diretor tivesse a
minha imaginaçãoo Banco já não existiria maise
eu estaria noutro lugar.
72
Canção do exílio Minha terra tem macieiras da
Califórniaonde cantam gaturamos de Veneza.Os
poetas da minha terrasão pretos que vivem em
torres de ametista,os sargentos do exército são
monistas, cubistas,os filósofos são polacos
vendendo a prestações.A gente não pode
dormircom os oradores e os pernilongos.Os
sururus em família têm por testemunha a
Gioconda.
73
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdadee
ouvir um sabiá com certidão de idade!
74
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902 - 1987)
75
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902 - 1987)
  • Temas básicos a poesia social a reflexão
    existencial (o eu e o mundo) a poesia sobre a
    própria poesia poesia do passado do amor do
    cotidiano da celebração dos amigos A presença
    do gauche O humor sutil, quase sempre corrosivo
    A solidão A incomunicabilidade A lógica
    misteriosa da existência O fluir do tempo
    Perdas e ganhos na vida do homem Luta contra
    morte...

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Carlos Drummond de Andrade 1º momento Alguma
poesia (1930) EU gt mundo
77
Poema de sete faces Quando nasci, um anjo
tortodesses que vivem na sombradisse Vai,
Carlos! ser gauche na vida.
78
As casas espiam os homensque correm atrás de
mulheres.A tarde talvez fosse azul,não houvesse
tantos desejos.
79
O bonde passa cheio de pernaspernas brancas
pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.Porém meus olhosnão
perguntam nada.
80
O homem atrás do bigodeé sério, simples e
forte.Quase não conversa.Tem poucos, raros
amigoso homem atrás dos óculos e do bigode.
81
Meu Deus, por que me abandonastese sabias que eu
não era Deus,se sabias que eu era fraco.
82
Mundo mundo vasto mundose eu me chamasse
Raimundoseria uma rima, não seria uma
solução.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto é
meu coração.
83
Eu não devia te dizermas essa luamas esse
conhaquebotam a gente comovido como o diabo.
84
Confidência do Itabirano Alguns anos vivi em
Itabira.Principalmente nasci em Itabira.Por
isso sou triste, orgulhoso de ferro.Noventa por
cento de ferro nas calçadas.Oitenta por cento de
ferro nas almas.E esse alheamento do que na vida
é porosidade e comunicação.
85
A vontade de amar, que me paralisa o
trabalho,vem de Itabira, de suas noites brancas,
sem mulheres e sem horizontes. E o hábito de
sofrer, que tanto me diverte,é doce herança
itabirana.
86
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te
ofereçoesta pedra de ferro, futuro aço do
Brasil,este São Benedito do velho santeiro
Alfredo Duval este couro de anta, estendido no
sofá da sala de visitaseste orgulho, esta
cabeça baixa...
87
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.Hoje sou
funcionário público.Itabira é apenas uma
fotografia na parede.Mas como dói!
88
No meio do caminho No meio do caminho tinha uma
pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha
uma pedrano meio do caminho tinha uma
pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimentona
vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me
esquecerei que no meio do caminhotinha uma
pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio
do caminho tinha uma pedra.
89
2º momento Sentimento do mundo (1940) Eu lt
MUNDO II Guerra, sistemas opressores
90
Mundo grande Não, meu coração não é maior que o
mundo.É muito menor.Nele não cabem nem as
minhas dores.Por isso gosto tanto de me
contar.Por isso me dispo,por isso me grito,por
isso freqüento os jornais, me exponho cruamente
nas livrariaspreciso de todos.
91
Sim, meu coração é muito pequeno.Só agora vejo
que nele não cabem os homens.Os homens estão cá
fora, estão na rua.A rua é enorme. Maior, muito
maior do que eu esperava.Mas também a rua não
cabe todos os homens.A rua é menor que o
mundo.O mundo é grande.
92
Tu sabes como é grande o mundo.Conheces os
navios que levam petróleo e livros, carne e
algodão.Viste as diferentes cores dos
homens,as diferentes dores dos homens,sabes
como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo
issonum só peito de homem... sem que ele estale.
93
(...) Então, meu coração também pode
crescer.Entre o amor e o fogo,entre a vida e o
fogo,meu coração cresce dez metros e explode.
Ó vida futura! Nós te criaremos.
94
Mãos dadas Não serei o poeta de um mundo
caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou
preso à vida e olho meus companheiros.Estão
taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre
eles, considero a enorme realidade.O presente é
tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos
muito, vamos de mãos dadas.
95
Não serei o cantor de uma mulher, de uma
história,não direi os suspiros ao anoitecer, a
paisagem vista da janela,não distribuirei
entorpecentes ou cartas de suicida,não fugirei
para as ilhas nem serei raptado por serafins. O
tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
homens presentes,a vida presente.
96
Os ombros suportam o mundo Chega um tempo em
que não se diz mais meu Deus.Tempo de absoluta
depuração.Tempo em que não se diz mais meu
amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos
não choram.E as mãos tecem apenas o rude
trabalho.E o coração está seco. Em vão mulheres
batem à porta, não abrirás.
97
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra
teus olhos resplandecem enormes.És todo certeza,
já não sabes sofrer.E nada esperas de teus
amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a
velhice?Teus ombros suportam o mundoe ele não
pesa mais que a mão de uma criança.
98
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
edifíciosprovam apenas que a vida prossegee nem
todos se libertaram ainda.Alguns, achando
bárbaro o espetáculo,prefeririam (os delicados)
morrer.Chegou um tempo em que não adianta
morrer.Chegou um tempo em que a vida é uma
ordem.A vida apenas, sem mistificação.
99
Amar Que pode uma criatura senão,entre
criaturas, amar?amar e esquecer,amar e
malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de
olhos vidrados, amar?
100
Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em
rotação universal, senãorodar também, e
amar?amar o que o mar traz à praia,e o que ele
sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou
precisão de amor, ou simples ânsia?
101
Amar solenemente as palmas do deserto,o que é
entrega ou adoração expectante,e amar o
inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de
ferro,e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
102
Este o nosso destino amor sem conta,distribuído
pelas coisas pérfidas ou nulas,doação ilimitada
a uma completa ingratidão,e na concha vazia do
amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais
amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na
secura nossaamar a água implícita, e o beijo
tácito, e a sede infinita.
103
3º momento A Rosa do Povo (1945) EU MUNDO
(consciência do papel do homem no mundo)
104
Consideração do poema Não rimarei a palavra
sonocom a incorrespondente palavra
outono.Rimarei com a palavra carneou qualquer
outra, que todas me convêm.As palavras não
nascem amarradas,elas saltam, se beijam, se
dissolvem,no céu livre por vezes um desenho,são
puras, largas, autênticas, indevassáveis.
105
Uma pedra no meio do caminhoou apenas um rastro,
não importa.Estes poetas são meus. De todo o
orgulho,de toda a precisão se incorporamao
fatal meu lado esquerdo. Furto a Viniciussua
mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
106
Que Neruda me dê sua gravatachamejante. Me perco
em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.São todos
meus irmãos, não são jornaisnem deslizar de
lancha entre caméliasé toda a minha vida que
joguei.
107
(...)Essa viagem é mortal, e começa-la.Saber
que há tudo. E mover-se em meioa milhões e
milhões de formas raras,secretas, duras. Eis aí
meu canto.
108
Ele é tão baixo que sequer o escutaouvido rente
ao chão. Mas é tão altoque as pedras o absorvem.
Está na mesaaberta em livros, cartas e
remédios.Na parede infiltrou-se. O bonde, a
rua,o uniforme de colégio se transformam,são
ondas de carinho te envolvendo.
109
Como fugir ao mínimo objetoou recusar-se ao
grande? Os temas passam,eu sei que passarão, mas
tu resistes,e cresces como fogo, como casa,como
orvalho entre dedos,na grama, que repousam.
110
Já agora te sigo a toda parte,e te desejo e te
perco, estou completo,me destino, me faço tão
sublime,tão natural e cheio de segredos,tão
firme, tão fiel... Tal uma lâmina,o povo, meu
poema, te atravessa.
111
A FLOR E A NÁUSEA Preso à minha classe e a
algumas roupas, Vou de branco pela rua
cinzenta.Melancolias, mercadorias
espreitam-me.Devo seguir até o enjôo? Posso,
sem armas, revoltar-me?
112
Olhos sujos no relógio da torre Não, o tempo
não chegou de completa justiça. O tempo é ainda
de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O
tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo
impasse.
113
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O
sol consola os doentes e não os renova. As
coisas. Que tristes são as coisas, consideradas
sem ênfase.
114
Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos
e nenhum problema resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os
homens voltam para casa. Estão menos livres mas
levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o
perdem.
115
Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em
muitos, outros escondi. Alguns achei belos,
foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a
viver. Ração diária de erro, distribuída em
casa. Os ferozes padeiros do mal. Os ferozes
leiteiros do mal.
116
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. Ao menino de
1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o
melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos
uma esperança mínima.
117
Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes,
ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda
desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os
negócios, garanto que uma flor nasceu.
118
Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se
abrem. Seu nome não está nos livros. É feia.
Mas é realmente uma flor.
119
Sento-me no chão da capital do país às cinco
horas da tarde e lentamente passo a mão nessa
forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens
maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos
movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia.
Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo
e o ódio.
120
Últimos momentos As impurezas do branco
(1977) A crítica às telecomunicações e à
corrida espacial
121
O homem as viagens O homem, bicho da terra tão
pequenoChateia-se na terraLugar de muita
miséria e pouca diversão,Faz um foguete, uma
cápsula, um móduloToca para a luaDesce
cauteloso na luaPisa na luaPlanta bandeirola na
luaExperimenta a luaColoniza a luaCiviliza a
luaHumaniza a lua.
122
Lua humanizada tão igual à terra.O homem
chateia-se na lua.Vamos para marte ordena a
suas máquinas.Elas obedecem, o homem desce em
martePisa em marteExperimentaColonizaCiviliza
Humaniza marte com engenho e arte.
123
Marte humanizado, que lugar quadrado.Vamos a
outra parte?Claro diz o engenhoSofisticado e
dócil.Vamos a vênus.O homem põe o pé em
vênus,Vê o visto é isto?IdemIdemIdem.
124
O homem funde a cuca se não for a
júpiterProclamar justiça junto com
injustiçaRepetir a fossaRepetir o
inquietoRepetitório.
125
Outros planetas restam para outras colônias.O
espaço todo vira terra-a-terra.O homem chega ao
sol ou dá uma voltaSó para tever?Não-vê que ele
inventa
126
Roupa insiderável de viver no sol.Põe o pé
eMas que chato é o sol, falso touroEspanhol
domado.
127
Restam outros sistemas foraDo solar a
col-Onizar.Ao acabarem todosSó resta ao
homem(estará equipado?)A dificílima
dangerosíssima viagem
128
De si a si mesmoPôr o pé no chãoDo seu
coraçãoExperimentarColonizarCivilizarHumanizar
O homemDescobrindo em suas próprias
inexploradas entranhasA perene, insuspeitada
alegriaDe con-viver.
129
Livros póstumos O amor natural (1993) Poesia
erótica
130
A bunda, que engraçada A bunda, que
engraçada.Está sempre sorrindo, nunca é
trágica. Não lhe importa o que vaipela frente do
corpo. A bunda basta-se.
131
Existe algo mais? Talvez os seios.Ora - murmura
a bunda - esses garotosainda lhes falta muito
que estudar.
132
A bunda são duas luas gêmeasem rotundo meneio.
Anda por sina cadência mimosa, no milagrede ser
duas em uma, plenamente.
133
A bunda se divertepor conta própria. E ama.Na
cama agita-se. Montanhasavolumam-se, descem.
Ondas batendonuma praia infinita.
134
Lá vai sorrindo a bunda. Vai felizna carícia de
ser e balançarEsferas harmoniosas sobre o caos.
135
A bunda é a bundaredunda.
136
JOÃO CABRAL DE MELO NETO (1920 - 1999)
137
JOÃO CABRAL DE MELO NETO (1920 - 1999)
  • Reflexão sobre o fazer poético
  • Poesia entendida como esforço em busca de
    síntese, do despojamento total
  • Cão sem plumas perfeição da linguagem mesclada
    a uma temática social o rio Capibaribe e a
    população miserável que lhe habita as margens
  • Morte e vida severina trajetória de um
    sertanejo que abandona o agreste, rumo ao
    litoral...

138
O ovo O ovo revela o acabamentoa toda mão que o
acaricia,daquelas coisas torneadasnum trabalho
de toda a vida.
139
E que se encontra também noutras que entretanto
mão não fabricanos corais, nos seixos roladose
em tantas coisas esculpidas
140
cujas formas simples são obra de mil inacabáveis
lixasusadas por mãos escultorasescondidas na
água, na brisa.
141
No entretanto, o ovo, e apesar de pura forma
concluída, não se situa no finalestá no ponto
de partida.
142
Menino de engenho A cana cortada é uma
foice.Cortada num ângulo agudo,ganha o gume
afiado da foice, um dar-semútuo.
143
Menino, o gume de uma canacortou-me ao quase
decegar-me,e uma cicatriz, que não
guardo,soube dentro de mim guardar-se.
144
A cicatriz não tenho maiso inoculado, tenho
aindanunca soube é se o inoculado(então) é
vírus ou vacina.
145
Morte e vida severina O RETIRANTE EXPLICA AO
LEITOR QUEM É E A QUE VAI O meu nome é
Severino,como não tenho outro de pia.Como há
muitos Severinos,que é santo de romaria,deram
então de me chamarSeverino de Mariacomo há
muitos Severinoscom mães chamadas Maria,fiquei
sendo o da Mariado finado Zacarias.
146
Mas isso ainda diz poucohá muitos na
freguesia,por causa de um coronelque se chamou
Zacariase que foi o mais antigosenhor desta
sesmaria.Como então dizer quem falaora a Vossas
Senhorias?Vejamos é o Severinoda Maria do
Zacarias,lá da serra da Costela,limites da
Paraíba.
147
Mas isso ainda diz poucose ao menos mais cinco
haviacom nome de Severinofilhos de tantas
Mariasmulheres de outros tantos,já finados,
Zacarias,vivendo na mesma serramagra e ossuda
em que eu vivia.
148
Somos muitos Severinosiguais em tudo na vidana
mesma cabeça grandeque a custo é que se
equilibra,no mesmo ventre crescidosobre as
mesmas pernas finas,e iguais também porque o
sangueque usamos tem pouca tinta.
149
E se somos Severinosiguais em tudo na
vida,morremos de morte igual,mesma morte
severinaque é a morte de que se morrede
velhice antes dos trinta,de emboscada antes dos
vinte,de fome um pouco por dia(de fraqueza e de
doençaé que a morte severinaataca em qualquer
idade,e até gente não nascida).
150
ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E
OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O
LEVARAM AO CEMITÉRIO
151
Essa cova em que estás,com palmos medida,é a
cota menorque tiraste em vida.
152
É de bom tamanho,nem largo nem fundo,é a
parte que te cabedeste latifúndio.
153
Não é cova grande,é cova medida,é a terra que
queriasver dividida. É uma cova grandepara
teu pouco defunto,mas estarás mais anchoque
estavas no mundo.
154
É uma cova grandepara teu defunto parco,porém
mais que no mundote sentirás largo. É uma cova
grandepara tua carne pouca,mas a terra dadanão
se abre a boca.
155
Viverás, e para sempre,na terra que aqui
aforase terás enfim tua roça. Aí ficarás para
sempre,livre do sol e da chuva,criando tuas
saúvas.
156
Agora trabalharássó para ti, não a meias,como
antes em terra alheia. Trabalharás uma terrada
qual, além de senhor,serás homem de eito e
trator.
157
Trabalhando nessa terra,tu sozinho tudo
empreitasserás semente, adubo, colheita.
Trabalharás numa terraque também te abriga e te
vesteembora com o brim do Nordeste.
158
Será de terra tua derradeira camisate veste,
como nunca em vida. Será de terra e tua melhor
camisate veste e ninguém cobiça. Terás de
terracompleto agora o teu fatoe pela primeira
vez, sapato.
159
Como és homem,a terra te dará chapéufosses
mulher, xale ou véu. Tua roupa melhorserá de
terra e não de fazendanão se rasga nem se
remenda. Tua roupa melhore te ficará bem
cingidacomo roupa feita à medida.
160
FERREIRA GULLAR(1930)
161
FERREIRA GULLAR(1930)
  • Concretismo
  • Poesia politicamente engajada
  • Expressão não-formalista, livre e ousada
  • Interrogações contínuas a respeito da permanência
    e da transitoriedade das coisas
  • Poeta emblemático, escreveu para a tv, militou na
    crítica de arte e debateu a situação da poesia.

162
Agosto 1964 Entre lojas de flores e de sapatos,
bares,mercados, butiques,viajonum ônibus
Estrada de Ferro - Leblon.Viajo do trabalho, a
noite em meio,fatigado de mentiras.
163
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,relógios de
lilases, concretismo,neoconcretismo, ficções da
juventude, adeus,que a vidaeu a compro à vista
aos donos do mundo.Ao peso dos impostos, o verso
sufoca,a poesia agora responde a
inquéritopolicial-militar.
164
Digo adeus à ilusãoMas não ao mundo. Mas não à
vida,meu reduto e meu reino.Do salário
injusto,da punição injusta,da humilhação, da
tortura,do terror,retiramos algo e com ele
construímosum artefato. Uma bandeira.
165
Poema sujo (fragmento) E depois de tanto que
importa um nome?Te cubro de flor, menina, e te
dou todos os nomes do mundote chamo aurora te
chamo águate descubro nas pedras coloridas nas
artistas de cinema nas aparições do sonho
166
- E esta mulher a tossir dentro de casa! Como se
não bastasse o pouco dinheiro, a lâmpada fraca,O
perfume ordinário, o amor escasso, as goteiras no
inverno.E as formigas brotando aos milhões
negras como golfadas dedentro da parede (como se
aquilo fosse a essência da casa) E todos
buscavam num sorriso num gesto nas conversas
da esquina no coito em pé na calçada escura do
Quartel no adultério no roubo a decifração do
enigma - Que faço entre coisas? - De que me
defendo?
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